A minha história de leitura confunde-se com tantas outras histórias de milhares de brasileiros, ou melhor, de nordestinos, que, assim como eu, não criaram laços com os livros ainda na infância. Na minha casa não tínhamos livros de histórias infantis. Quando criança, não fui apresentada aos clássicos, aos contos de fadas, não me encantaram com príncipes, princesas, com belas adormecidas.
A primeira leitura que fiz foi do mundo, da vida simples e humilde do interior em uma localidade no meio do mato, no pé da serra, denominada Riacho Fresco, localidade de Pacoti. Minha mãe era a professora e foi com ela que aprendi as primeiras letras, seguidas das sílabas e depois algumas poucas palavras. Meu primeiro livro foi uma cartilha da qual não lembro o título.
Minha mãe, que cursara até o primário, alfabetizava as crianças das redondezas em uma escola pública que tinha uma única sala. Para lecionar como professora alfabetizadora, fez curso e foi aprovada em seleção realizada no município de Pacoti. Assim, até a segunda série primária, tive o privilégio de ter minha mãe como minha mestra. Depois mudamos para Fortaleza onde fui matriculada na terceira série, na Escola de 1º grau Maria Júlia Fialho. A professora chamava-se Elizabete e, apesar de ter sido uma profissional muito dedicada e atenciosa para com seus alunos, não lembro dela lendo ou contando histórias, ou levando livros de literatura para a nossa classe. O que vem à minha memória são as aulas mais tradicionais, seguindo sempre o que o livro didático prescrevia. Não havia tempo para contar histórias, encantar e embalar nossos sonhos. E não foi diferente nas séries seguintes, pois estávamos sempre muito ocupados memorizando substantivos, artigos, adjetivos, pronomes, verbos… Confesso que nenhum vestígio significativo de leitura ficara desse período.
Durante as séries finais do ensino fundamental em que freqüentei uma escola católica dirigida por padres, as lembranças que tenho são das aulas de educação artística, nas quais participávamos de muitos trabalhos e eram momentos de alegria e encantamento, e das aulas de história em que o professor realmente nos incentivava bastante com leituras muito atuais. Ele sempre fazia referência a jornais, noticiários, e parecia preocupar-se realmente com nossa formação, com a leitura que tínhamos do mundo a nossa volta. Desse tempo, recordo ainda os nossos momentos na capela da escola realizando leituras de passagens bíblicas que seriam lidas nas missas de domingo.
Quanto à experiência vivenciada no ensino médio, posso dizer que foi muito mais de leitura por obrigação, principalmente visando ao vestibular, do que leitura para despertar prazer. Por isso, as leituras solicitadas pelos professores também não me fascinaram, encantaram ou despertaram minha imaginação. A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, A viuvinha e Iracema, de José de Alencar e Luzia-homem, de Domingos Olímpio, entre outros, foram livros que surgiram em meu caminho, mas que não deixaram marcas, simplesmente passaram.
A verdade é que foi somente na universidade que despertei para a leitura e, pela primeira vez na vida, tive realmente vontade de ler sem o comando direto do professor, senti necessidade de comprar livros. Nessa época, fiz assinatura das revistas Veja e SET, esta sobre cinema, que era uma das minhas paixões, e também comecei a fazer parte do Círculo do Livro, através do qual fiz aquisição de alguns livros que conseguiram me transportar para outras realidades como O quinze, de Rachel de Queirós, Vidas Secas, de Graciliano Ramos, O analista de Bagé, de Luís Fernando Veríssimo, entre outros. A leitura e o cinema foram os meus grandes aliados nessa minha doce fase de estudante universitária. Eu devorava as revistas sobre cinema e estava sempre atualizada sobre as críticas feitas aos últimos filmes. Ray Man, com Dustin Hoffman e Tom Cruise e Mississipi em Chamas, com Gene Hackman, foram filmes que deixaram muitas saudades, pois eu acompanhava de perto tudo que era publicado sobre eles. Outra leitura que causou forte impacto em minha vida foi a poesia da segunda fase do romantismo, marcada pelo subjetivismo, sentimentalismo. A geração denominada “Mal do Século” deixou fortes impressões pelas produções poéticas que destacavam temas como a morte, amores impossíveis, entre outros.
Após a saída da universidade e o ingresso no magistério, trabalhando com as séries iniciais do ensino fundamental, surgiu a necessidade de uma literatura mais teórica, mais formativa, que subsidiasse minha prática em sala de aula. Durante esse período minha formação leitora esteve mais inclinada para o campo profissional. Em 2001, quando fui aprovada em concurso para a escola pública municipal e passei a lecionar nas séries finais do ensino fundamental, percebi as defasagens dos meus alunos e, por isso, tive que buscar novas leituras a fim de desenvolver um trabalho que contribuísse, de fato, para minimizar seus déficits de leitura. A idéia de que eles precisavam de leitura, de encantamento, de descobertas, de sentido, fez com que eu recorresse a diferentes alternativas de trabalho envolvendo a leitura e a escrita. Foi dessa necessidade que criamos a Semana Literária na escola Santa Maria, na qual os alunos apresentavam trabalhos sobre escritores e obras nacionais. Fizeram parte desse universo literário autores como Patativa do Assaré, Rachel de Queirós, José de Alencar, Adolfo Caminha, António Sales e outros. Além desse trabalho, outro momento significativo envolvendo leitura aconteceu no ano de 2004 quando li com os alunos da 8ª série o livro Os miseráveis, da Coleção Literatura em minha casa, enviado às escolas pelo MEC. Tenho gravado na memória o momento em que um aluno foi falar sobre o livro e à medida que externava sua emoção, seu envolvimento com a história, algumas lágrimas rolaram sobre sua face, não me contive e chorei com ele.
Diante das experiências vivenciadas nos últimos anos, penso que fazer com que os alunos despertem para a leitura pelo simples prazer de ler não é tarefa fácil, mas também não é uma missão impossível, o primeiro passo é fazer com que percebam que o professor lê, que gosta de ler, que sente emoção, que chora e ri com os livros. É preciso, sobretudo, que o aluno sinta verdade naquilo que o professor diz.
Enfim, quero destacar que atualmente realizo tanto leituras teóricas nas áreas de educação e de língua portuguesa, quanto leituras – como eu mesma costumo ressaltar – para alimentar minha alma. Nesse sentido, uma experiência bem interessante que posso relatar é o Clube de Leitura do qual faço parte juntamente com alguns amigos do trabalho. O clube, que teve início em fevereiro de 2009, funciona da seguinte forma: mensalmente nos encontramos para conversar, discutir sobre um livro escolhido pelo próprio grupo e lido por todos. Durante os últimos meses, as mais diversas histórias têm povoado constantemente o meu universo literário, ora conduzindo-me a outras culturas e conhecendo um pouco dos hábitos dos afegãos, europeus, ora me transportando ao século XIX com Machado de Assis, Adolfo Caminha, ou viajando pelo sertão de Guimarães Rosa, ou conhecendo a infância de Graciliano Ramos, ou passando pela poesia de Vinícius de Morais, não importa, ultimamente tenho lido alguns livros e a leitura tem conseguido me encantar de tal forma que sinto necessidade dela. A cada livro que leio e discuto, seja em casa, no clube de leitura ou no trabalho, percebo o quanto ainda tenho a ler, a aprender e a me surpreender com tantas histórias que ainda estão por vir. Além dos livros indicados pelo clube de leitura, leio também, na medida do possível, outros que eu mesma escolho ou por curiosidade ou por necessidade. Por tudo isso, concluo que a leitura tem sido fonte não só de muitas descobertas, mas também de muito prazer em minha vida.